Venezuela: descoberta de alimentos importados podres esquenta clima eleitoral
De Javier Tovar (AFP) – 12 de Ago de 2010
CARACAS, Venezuela — A descoberta de milhares de toneladas de alimentos em decomposição, que foram importados pelo governo, deixou em polvorosa a Venezuela, onde a oposição exige uma "investigação séria" e a situação denuncia uma "campanha de manipulação" ante as próximas eleições.
Desde o começo de junho foram encontradas milhares de toneladas de alimentos - arroz, farinha de trigo, massa, entre outros - em estado de decomposição em armazéns estatais, portos e depósitos de todo o país, importadas pela empresa estatal DVAL sem nunca terem sido distribuídas.
Segundo opositores do governo de Hugo Chávez, são mais de 130.000 toneladas de alimentos decompostos, o que representaria perdas de 8 bilhões de dólares para o Estado.
"Jogar comida fora é um pecado, mas deixá-la apodrecer não tem perdão de Deus", comentou à AFP a dirigente Delsa Solórzano, que participa de uma equipe da oposição que investiga o caso à margem do Parlamento, onde a comissão formada não entregou resultados até agora.
O governo reconhece que apenas 30.000 toneladas de alimentos estão em "não-conformidade" nos depósitos da PDVAL, uma rede de compras e distribuição sob a administração da petroleira estatal PDVSA, mas que depois do escândalo foi transferida para o ministério da Alimentação.
"Eles multiplicaram isso por um milhão (...), mas se quiserem conseguir algo podre, eles mesmos são o que este país tem de mais podre", alfinetou recentemente o presidente venezuelano, Hugo Chávez, ao criticar a reação da oposição.
"O que pretendem é gerar nestes meses a maior quantidade de problemas, a guerra midiática, o terrorismo midiático, manipulando cifras e exagerando nossos erros", comentou Chávez.
O presidente da PDVSA e ministro do Petróleo, Rafael Ramírez, insistiu em que as denúncias são "uma manipulação política ante as eleições" legislativas de 26 de setembro, que serão cruciais para o governo, que quer manter pelo menos dois terços da maioria no Congresso unicameral.
Na Venezuela, cuja economia está em recessão com infação de 18% em julho, muitos produtos da cesta básica ficam escassos por temporadas.
O governo Chávez criou a PDVAL no começo de 2008 para importar e distribuir alimentos a preços subsidiados, justo em um momento em que a Venezuela enfrentava a escassez de alguns produtos.
"Já detectamos as falhas e os mecanismos de controle foram melhorados. Aumentou-se a distribuição de alimentos para ajudar a que a PDVAL possa ter uma rápida rotação de produtos armazenados", explicou o vice-presidente Elías Jaua.
A promotoria abriu uma investigação sobre o caso e já estão detidos o ex-presidente da rede, Luis Pulido, e outros dois de seus altos diretores.
Mas a oposição considera haver uma "rede de responsáveis" que transcende estes três envolvidos e aponta Ramírez por envolvimento em atos de corrupção relacionados com as importações da PDVAL.
O líder oposicionista Ramón Muchacho entregou à AFP cópia de um informe que, segundo ele, é de uma auditoria na PDVSA onde se estabelece que a petroleira "comprou e pagou" por 1,05 milhão de toneladas de alimentos entre outubro de 2007 e junho de 2008, do qual só foram recebidas 266.516 toneladas.
"O pior é que do que chegou só se distribuiu a metade. A outra metade ficou armazenada e apodreceu", disse Muchacho, exigindo uma "investigação séria" sobre o tema.
Alguns analistas preveem que este escândalo terá um efeito negativo sobre a popularidade de Chávez e os resultados eleitorais dos candidatos do situacionista partido Socialista Unido da Venezuela.
"Chávez só teve problemas este ano. O tema da escassez de alimentos, que culmina com a descoberta desta comida apodrecida, demonstra incapacidade, corrupção e isto o povo vê, comenta", disse à AFP o pesquisador Alfredo Keller.
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